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Curtailment vs. Descarbonização: Desafios Jurídicos e Regulatórios para o Futuro Energético do Brasil

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Por: Time de Infraestrutura do RondinoMegale_Advogados


O setor energético brasileiro enfrenta um aparente paradoxo, evidenciado por duas notícias recentes e contraditórias. De um lado, o jornal O Estado de São Paulo reporta que o Operador Nacional do Sistema (ONS) tem ordenado cortes na geração de energia eólica e solar principalmente no Nordeste, gerando conflitos judiciais com produtores. Por outro, a Bloomberg NEF aponta que o Brasil precisará investir US$ 6 trilhões até 2050 para zerar as emissões, principalmente no setor de transportes.


Os números do curtailment no Nordeste revelam um paradoxo quantificável: em 2024, 15 TWh de energia renovável foram desperdiçados devido a restrições operacionais, volume equivalente ao consumo anual de 6 milhões de residências. Esse excedente, se direcionado para produção de hidrogênio verde, por exemplo, poderia gerar até 183 mil toneladas de H2V/ano – suficientes para substituir 15% do diesel consumido pelo transporte rodoviário de carga na região, segundo cálculos obtidos em estudos de um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Ceará. Ainda, esse volume permitiria abastecer 45 mil ônibus urbanos movidos a célula de combustível, conforme parâmetros da BloombergNEF para veículos pesados.


Para mitigar essa aparente incongruência entre os cenários de curtailment e a necessidade de atingir objetivos de descarbonização, algumas alternativas emergem como promissoras:


  1. Armazenamento de Energia: A implementação de sistemas de armazenamento em larga escala, como baterias e usinas hidrelétricas reversíveis, poderia absorver o excesso de geração renovável e disponibilizá-lo em momentos de maior demanda. A ANEEL está trabalhando na regulamentação desses sistemas, com a primeira norma oficial prevista ainda para este ano.

  2. Hidrogênio Verde: O excedente de energia renovável poderia ser utilizado para produção de hidrogênio verde, alinhando-se com o recém-aprovado marco legal do hidrogênio de baixo carbono (Lei nº 14.948/2024). No entanto, a regulamentação pela ANP ainda está pendente, criando incertezas jurídicas para investidores.

  3. Incentivos à Demanda Flexível: A criação de mecanismos regulatórios que incentivem grandes consumidores industriais a ajustar seu consumo de acordo com a disponibilidade de energia renovável poderia ajudar a equilibrar oferta e demanda. Isso poderia incluir tarifas dinâmicas e leilões de capacidade, como já testado em outros países.

  4. Expansão e Modernização da Rede de Transmissão: O ONS estima que serão necessários investimentos de cerca de US$ 9 bilhões entre 2024 e 2028 para permitir o fluxo completo do excedente de energia renovável. Um marco regulatório que facilite e acelere esses investimentos é crucial.

  5. Integração Regional: A ampliação da capacidade de exportação de energia para países vizinhos, como Argentina e Uruguai, poderia ajudar a absorver o excesso de produção em momentos de pico. Isso demandaria não apenas infraestrutura, mas também acordos regulatórios internacionais.


Entretanto, para implementar essas soluções, algumas melhorias regulatórias se fazem necessárias:


  1. Revisão da Política de Curtailment: É necessário estabelecer critérios claros e transparentes para os cortes de geração renovável, possivelmente incluindo mecanismos de compensação para geradores afetados. Essa regra, inclusive, pode ser transitória, até que outras soluções sejam implementadas.

  2. Aceleração da Regulamentação do Hidrogênio Verde e Sistemas de Armazenamento: A rápida definição de normas claras para esses setores é crucial para atrair investimentos e viabilizar soluções de longo prazo.

  3. Adaptação do Marco Regulatório para Novas Tecnologias: O arcabouço legal precisa ser flexível o suficiente para acomodar inovações como redes inteligentes, geração distribuída e veículos elétricos. Aqui podemos traçar um paralelo com o mercado de capitais, em que a regulação dos Fundos de Investimento Imobiliários (FIIs) no Brasil serviu como base estrutural para a criação dos FIAGROs, demonstrando como marcos regulatórios consolidados porém flexíveis podem facilitar a regulação de novas tecnologias.

  4. Revisão da Carga Tributária: Uma política fiscal que incentive tecnologias de armazenamento de energia limpa e produção de combust[ível verde pode ser fundamental para viabilizar economicamente essas soluções. Seria algo como o REIDI e o PROINFA foram para o setor de energia eólica no passado. Estes incentivos, inclusive, poderiam ser direcionados prioritariamente para as regiões produtoras de energia renovável (a grosso modo, Nordeste, Norte de Minas e região Sul), criando demanda aonde existe oferta abundante de energia renovável.

  5. Fortalecimento da Autonomia das Agências Reguladoras: Garantir a independência e capacidade técnica de órgãos como ANEEL e ANP é crucial para a implementação efetiva e imparcial dessas políticas.


A transição energética do Brasil depende não apenas de avanços tecnológicos, mas também de um arcabouço jurídico-regulatório robusto e adaptável. O papel dos profissionais do direito será crucial para navegar esse complexo cenário e garantir um futuro energético sustentável e juridicamente seguro para o país.



Link para as reportagens citadas no artigo:


 
 
 

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